Já se passaram dois dias e eu ainda não esqueci como Caleb chorava
enquanto eu dormia. Os últimos dias foram como um borrão. Caleb ficou sumido
grande parte do dia e, quando eu finalmente consegui andar normalmente, um
sujeito encapuzado me amarrou.
O sujeito vestia-se inteiramente de preto, mas, por baixo do capuz,
vislumbrava uma barba cinzenta e grossa. E, pela voz, devia ter uns 40 anos de
idade.
O sujeito dera-me um tapa que dói até agora e tornou a fazer a pergunta.
Desta vez, permaneci calada e acabei levando um torrente de tapas, socos e
puxões de cabelo. Agora, horas mais tarde, estou novamente sem conseguir andar
e chorando amarrada numa cadeira, feito uma criança birrenta. Caleb ainda não
voltou de seja lá onde fora.
Por que eu me importo tanto com esse meu suposto sequestrador? Por que
logo o meu “prometido” está me mantendo aprisionada nesse lugar? E, o mais
importante: por que eu sinto que Caleb não tem interesse nenhum em me machucar?
Mas eu não tive tempo de repensar sobre isso. Caleb irrompeu na sala feito um
louco e se jogou na frente da cadeira onde estou.
O olhar no rosto dele era novamente aquele que eu não sei o quê
significa, embora eu saiba que não sou boa para ler expressões. Ele rapidamente
desamarrou as cordas que me prendiam mas, mesmo contra minha vontade, eu
desabei em seu colo. Meu corpo não respondia aos meus comandos e a dor era
absurda. Ele me pegou e saiu andando rapidamente e, quando vi, estávamos no
“espaço” em que eu tinha tomado banho.
Estou consciente mas meu corpo continua sem responder aos meus comandos,
mesmo o simples fato de dizer alguma coisa. Caleb largou-me lá, no chão, e saiu
correndo. Não sei quanto tempo ele demorou mas, quando voltou, estava com um
balde de água. Encheu a banheira de água, destrançou meus cabelos e colocou-me
dentro da banheira. Com uma esponja, limpou o sangue de meu corpo.
Novamente, eu tentei. Mas acho que meus lábios apenas mexeram e os olhos
de Caleb estavam úmidos. Ele terminou de me banhar e secar e, logo após, vestiu
em mim meu vestido. Ele era branco, mas, agora, continha manchas avermelhadas
que, sinceramente, o deixava mais bonito. Acho que apaguei, não sei. Mas, quando
tornei a acordar, acho que estava com febre. Caleb punha em minha testa uma
toalha molhada repetidas vezes e murmurava algo que não consigo entender.
Creio que algumas horas depois, a febre passou e eu finalmente consegui
fazer meu corpo me obedecer. Sentei-me na cama e observei o estrago em meu
corpo. Minhas pernas tinham arranhões arrochados por toda parte e meus braços
estavam vermelhos, meu cabelo estava solto e desembaraçado, embora os preciosos
caracóis dele estejam desfeitos. Caleb está sentado de costas para mim, mexendo
em alguma coisa em frente à fogueira.
Nem eu mesma acreditei no que acabou de sair de meus lábios. Mas eu não
disse para fazer show! Era realmente o meu desejo. Não vou dizer onde minha
família mora por nada deste mundo e prefiro morrer logo do que ficar apanhando
aos poucos como já acontecera duas vezes só esta semana.
Eu praticamente cuspi as palavras, e ele percebeu, notou que mesmo minha
voz estando fraca, estava carregada de raiva. O olhar dele era triste, isso eu
conseguia perceber. Ele olhava bem fundo nos meus olhos, como se em um diálogo
mudo.
E saiu a passos largos pelo longo corredor de pedra ali perto,
deixando-me sozinha e confusa.
...
Mesmo algumas horas depois do ocorrido, eu ainda estou sozinha ao pé da
fogueira, tentando desesperadamente me esquentar, pestanejando o dia que saí de
casa com um vestido tão curto e fresco. Estou com fome e com medo de o sujeito
da barba branca voltar a me atacar.
As palavras de Caleb ainda ecoam em minha mente. Penso que, se ele me
amasse como diz, a ponto de morrer junto comigo, por que raios me mantêm nesse
lugar? E por que eu sinto uma vontade tão desesperadora de salvá-lo,
protegê-lo? Estranho.
Algum tempo depois, eu estava tão perdida em devaneios que nem percebi
Caleb entrar na sala e sentar-se ao meu lado no colchão, abraçando as próprias
pernas e olhando para o fogo. Sua expressão era incompreensível e também
parecia perdido em devaneios. Percebendo sua distração, comecei a observá-lo.
Sob a luz da fogueira, pude perceber como seus cabelos loiros parecia
platinados de tão claros e continham ondas por toda parte, emoldurando o
garoto. Assim, pensando, ele finalmente parecia-me como um adolescente comum,
até mais jovem do que era. Sua cicatriz era menos assustadora na iluminação que
ali havia e, como consegui perceber, também era menor. Apenas um risco mais
escuro que sua pele pálida e que não parecia poder ser sentida à mão. Quando
dei por mim, percebi que ele também me observava, com os olhos atentos no meu
rosto. Foi quando sua mão esticou e pegou um dos caracóis de meu cabelo vermelho-fogo.
Eu lembrava. Aos meus doze anos, encorajada por milhares de amigas
idiotas, namorei um garoto de minha idade, meu vizinho, na verdade. Thiago
ficou comigo por cerca de dois meses, nosso relacionamento sempre escondido dos
outros que não eram de nossa idade. Como Caleb viu? E como ele me conhecia?
Mas, na verdade, não foi isso que chamou minha atenção e sim o fato de ele ter
ficado com raiva. Não faz sentido ter raiva de alguém que você sequer conhece.
Agora, sinto-me culpada. De certo, fui a responsável por sua cicatriz.
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