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domingo, 14 de dezembro de 2014

Fanfic: Bad Girls Don't Cry - Capítulo 4 -- Relato de Antonietta

   Está escuro e eu não vejo nada além de seu rosto. É apavorante. Uma cicatriz de quase 5 centímetros ocupa a parte esquerda de seu rosto; seus olhos são negros como a noite; seus cabelos são loiros e é uma pessoa consideravelmente atraente, mesmo com sua cicatriz nojenta. A todo momento insiste para que eu ouça e decore sua história, a história de sua cicatriz. Já me cansei de ouvir, já passei mal, mas mesmo assim ele se recusa parar de me contar.
   Ele tinha 15 anos quando decidiu que iria se tornar um assassino, uma profissão "de família". Sua primeira tarefa era acabar com a raça de um empresário riquíssimo, que morava a poucos metros de sua casa, numa mansão. Quando ele entrou na mansão, os guardas lhe bateram causando vários hematomas horrorosos que hoje já estavam curados e praticamente desaparecidos. Ele matou cada um deles, a sangue frio.
   Assim que entrou na casa completamente vazia, seguiu a planta e foi até os aposentos do tal empresário. O homem era um gordão folgado e estava dormindo tranquilamente, roncando. Ele deu um tiro no empresário. Porém, quando menos esperava, a suposta esposa do empresário quebrou um vaso branco no seu rosto, criando a cicatriz. Quando chegou em casa, machucado, seus pais resolveram lhe dar um castigo: ao invés de passar alguma coisa para curar o ferimento, passaram ácido.

   Agora, ele está na minha frente, recontando esta mesma história. Parece que quer me colocar medo, mostrar do quê ele é capaz e do que sofreu. Não me impressiona, sinceramente. Mas mesmo assim sou cautelosa afinal, não tenho como sair daqui. Como diz o ditado, "se não pode com o inimigo, junte-se a ele".
   -- Decorou a história, garota? - ele perguntou.
   -- Não me chame de garota! Meu nome é Antonietta.
   Ele levantou uma das mãos para me dar um tapa e, instintivamente, recuei. Porém, ele fechou os olhos e respirou fundo. Não me deu o tapa.
   -- Quantos anos você tem, Antonietta? - ele falou o nome com um tom de petulância, mas eu resolvi relevar.
   -- Quantos anos VOCÊ tem?
   -- Responda primeiro, garota. Minha paciência não é muito grande.
   -- 14, quase 15. Agora responda você.
   -- Tenho 18.
   Ele realmente não parecia ter dezoito. Eu daria a ele uns dez anos a mais. Não consigo saber se o acho tão mais velho por causa de sua cicatriz ou porque está escuro de mais. Ele está me encarando e eu não consigo parar de olhar em seus olhos, o que faz, por um instante, a cicatriz nojenta sumir. Só consigo pensar em 'perfeito', porque é isso que ele é. E eu sou burra, afinal, o sorriso em seus lábios mostra o quanto fui transparente com meus pensamentos.
   -- Por que me prende aqui?
   -- Gostei de você.
   A ironia era tão clara em sua voz que minha vontade era levantar e lhe dar um tapa. Detesto quando falam comigo com tal ironia! Mas eu não posso levantar. Minhas pernas estão arranhadas e sangrando, doendo muito. Uma dor que não quero mostrar para ele. Não sei quem fez tal coisa mas sei que dói e que minha raiva está sendo direcionada para ele.
   -- Como se já não bastasse me manter aqui, você ainda é irônico?! Faça me o favor! Me diga. O quê você quer? - gritei.
   Já estava irritada, cansada de tal situação. Queria ir para os braços de meu irmão, chorar no ombro de minha irmã e ligar de 5 em 5 minutos para minha mãe. Cameron, Valentina e Marietta me fazem uma falta inexplicável. Nunca pensei que sentiria isso, afinal, sempre fui a "queridinha". No que isso deu? Agora estou trancada com um assassino e não consigo me levantar por causa de arranhões e sangue. Que droga!
   -- Você é de imenso valor, querida Antonietta. Pouco antes de nascer, seu pai lhe comprometeu a uma família humilde, que acabara de ter um filho. Eles fizeram igual àquelas histórias de contos de fadas: um menino e uma menina prometidos um ao outro antes mesmo de nascerem. Sim, sim. A diferença de idade entre eles não era para ser tão brusca, afinal, Dona Marietta já estava grávida quando o menino nasceu. - ele respirou fundo. Seus olhos irradiavam raiva pura. - Houve um imprevisto e a criança de Marietta morreu antes mesmo de chegar aos nove meses dentro da mãe.
   Sem perceber, lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Eu conhecia esta história, meus pais contavam ela sempre e eu pensava que era brincadeira. Ele continuava a contar mas eu estava longe, lembrando de como a história era dita para mim, ainda pequena. "Anos depois, o casal tentou novamente ter a menina. Desta vez deu certo e deram a ela o nome de Antonietta, uma ruivinha linda. Ela era prometida a um jovem rapaz, e seu nome era [...]"
   -- Caleb. - disse Antonietta, com os olhos arregalados.
...
   Assim que abri os olhos, me senti perdida. Não sei onde estou e minha visão está embaçada. Passei as costas das mãos no rosto, tentando trazer-me algum tipo de claridade. Funcionou. Está menos escuro do que antes e eu estou bem perto de uma fogueira. Ele está de costas para mim, com a cabeça apoiada nos joelhos. É aí que percebo onde estava deitada: em cima de um colchão de ar e de uma manta, coberta com outra manta. Minhas pernas ainda doem e o sangue continua encrustado nelas e em meu vestido.
   -- O que aconteceu? - perguntei, a voz ainda um pouco falha.
   -- Tem certeza que não se lembra?
   Ele virou de frente para mim. E foi aí que eu me recordei de tudo. Seu nome é Caleb e eu fui prometida a ele antes mesmo de nascer. Ridículo! Patético! Cansativo! Nojento!
   -- O que aconteceu comigo?
   -- Resumidamente, logo depois de descobrir o meu nome você desmaiou. Meu nome é tão bonito assim? Desperta alguma coisa nas pirralhas? Caleb.
   -- Que vergonha. - sussurrei mais para mim mesma, mas, pela expressão em seu rosto, ele ouviu. - Não consigo acreditar! Meu pai foi muito... muito... Ah! Não consigo nem dizer.
   Ele começou a gargalhar. Sua risada é um som magnífico, doce e calma. Minha vontade era gargalhar junto com ele, mesmo não sendo o certo a fazer. Tudo nele chamava a atenção e eu me senti tola por sentir tal atração pelo meu possível sequestrador e, talvez, meu assassino.
   -- Pare de rir! - senti-me ruborizar. - Ei, já que eu sei de grande parte do treco, faça-me o favor e me mate logo. Não aguento mais sofrer!
   -- Sofrer? Garota, já reparou que até agora eu te tratei com mordomia de mais comparado ao o que um sequestrador tem que fazer com a vítima?! Te coloquei em cima do meu colchão só porque você desmaiou após descobrir meu nome, sabe-se lá como.
   -- Não sei se você percebeu, mas eu não consigo me levantar. Minhas pernas estão arranhadas e sangrando, emeio ao meu cabelo tem um corte com sangue batido. Aé, você não percebeu o corte na minha cabeça porque meu cabelo é vermelho também. Nas minhas pernas ninguém liga, afinal, assim a "refém" não pode fugir.
   -- Perai. O que você disse?
   Ele veio se levantando e eu pensei que era para me machucar ainda mais. Então, tentei me afastar o máximo que conseguia ir somente puxando as pernas (no máximo meio metro). Ele esticou a mão na minha direção e eu tentei me afastar ainda mais.
   -- Espere. - sua voz agora era suave, o tom mais suave que ele usara depois de todo esse tempo. - Eu não sabia desses machucados. Vem cá, vou te ajudar.
   Eu não consigo acreditar. Ele não me transmite segurança alguma.
   -- Antonietta! É sério. Não vou lhe matar. Me deixe ver.
   Ele puxou a coberta, revelando minhas pernas arranhadas e encrustadas de sangue, assim como meu vestido. Por falar em vestido, me arrependo de estar com um vestido tão curto, sinto vergonha por ele estar tão próximo e eu tão... vulgar.
   Caleb se levantou e saiu andando apressadamente por um corredor estreito. Agora, sob a luz da fogueira, consigo identificar o local como uma caverna com vários corredores. Não seria de se surpreender se alguém se perdesse ali dentro. Rapidamente, ele voltou com uma sacola de pano surrada. Sentou-se na minha frente e abriu ela.
   Dentro da sacola haviam suprimentos de primeiros socorros, algodão, gazes e soros. Ele usou algodão e soro para limpar o sangue de minha pernas e gazes com uma pomada que não conheço por cima, para enfaixar. Tudo ardia muito!
   -- Chegue mais perto para eu ver o corte em sua cabeça. - pediu ele, sua voz ainda com o tom de suavidade. Continuei quieta, imóvel. - Antonietta, por favor. - olhou dentro de meus olhos e eu não resisti. Arredei para perto dele e deitei-me eu seu colo.
   Rapidamente ele fez o mesmo processo que fez em minhas pernas. Trançou meus cabelos frouxamente e me ajudou a levantar. O pouco de maquiagem que eu tinha usado no dia em que fui sequestrada havia escorrido quando chorei várias vezes. Ele passou o polegar pelos meus olhos, secando resquícios de lágrimas. Seus olhos estavam fixos em mim e mostravam algo mais que compaixão ou dó, algo que não reconheço ainda ou que talvez só seja uma ilusão causada por minha mente infantil. Seja lá o que for, sumiu de repente e ele pestanejou consigo mesmo.
   -- Melhorou? - o tom de suavidade sumiu, dando lugar a um tom de petulância.
   -- Preciso de um banho. - falei mais para mim mesma.
   -- Venha.
   Antes que eu pudesse sequer retrucar, Caleb me pegou no colo. Seus braços eram musculosos e fortes e eu não consigo fazer meu coração não acelerar diante disso. É deplorável! Ele me colocou no chão, num outro cômodo bem parecido com o anterior da caverna. Só é menor e tem uma tenda esticada para simular um box de chuveiro.
   -- Permaneça de roupas íntimas e tente lavar seu vestido. - disse Caleb, já se afastando do cômodo.
   -- E o que vou vestir depois?
   -- Isso.
   Foi então que ele tirou sua camisa e me entregou. Seus músculos era incríveis! E ao mesmo tempo que eu pensava isso, me beliscava mentalmente. Ele deve ter percebido meu estado porque um sorriso cruzou seus lábios.
   -- Algum problema? - perguntou. Eu estava sentada no chão, ainda sem conseguir me levantar.
   -- Não posso me levantar, esqueceu?
   Me sinto inútil! Não consigo fazer nada sem precisar de ajuda e, agora, com as duas pernas machucadas, nem andar eu posso. Se pudesse, seria mais fácil bolar um plano para fugir daqui. E o sorriso em seus lábios não era nada convincente. Ele estava zoando com minha cara! Tenho certeza!
   -- Se vira. - disse ele e saiu andando para fora do cômodo.
   Tirei meu vestido pela cabeça, e, como ele pediu, permaneci de roupas íntimas. Ainda não entendi como iria molhar minhas roupas íntimas e depois continuar com elas molhadas, mas o.k. Era uma bacia cheia d'água fervente, possivelmente esquentada na fogueira. Entrei nela, sentindo todos as feridas de meu corpo arderem imensamente. Mas sou forte, sei resistir à dor.
   Quando terminei o banho e lavei meu vestido branco (que ainda ficara com algumas manchas vermelhas), vesti a camisa de Caleb e permaneci com as roupas de baixo, apenas úmidas depois de eu torcê-las várias vezes. Ela era verde escura e, como já era larga nele, ficou em mim como um vestido pegando um palmo acima dos joelhos. O tempo todo, precisei me apoiar nas paredes e sentir uma dor imensa mesmo jogando o mínimo de peso possível nas pernas. Saí descalça do cômodo, tentando refazer o caminho confuso que me levara até ali. Eu andava apoiando nas paredes ao meu redor e sentia lágrimas descendo por meu olhos devido à enorme dor nas pernas.
   Com muita dificuldade, achei o local em que ele estava. Caleb encontrava-se ao lado da fogueira,ainda sem camisa, de olhos fechados e com a boca mexendo. Parecia que estava rezando. Aproximei-me num silêncio impressionante e bem devagar, a ponto de ouvir a última parte de sua suposta oração:
   -- [...] por favor a proteja e cure. Me perdoe por tê-la maltratado, não fiz nada disso por querer. Amaldiçoe quem me mandou fazer tais coisas e me ajude a me vingar, a me controlar. Amém.
   Ele abriu os olhos e me viu, escorada na parede, com lágrimas que não paravam de descer de meus olhos, segurando-me à parede com uma força que eu não sabia ter. Levantou-se num pulo e veio até mim. Não faz perguntas, apenas me pegou no colo e me pôs na cama em que eu estava quando acordei.
   -- Você devia ter chamado. Está doendo muito? - perguntou ele enquanto secava minhas lágrimas.
   -- Eu não ia te chamar. Você mandou eu me virar. Foi isso que fiz.
   Simplesmente não podia engolir meu orgulho. Ele fora rude comigo e agora queria que me rebaixasse e pedisse sua ajuda? Não, obrigada.  Seus olhos cintilaram com um sentimento que eu não consigo identificar e sua mão parou de secar as minha lágrimas, de súbito, e passou a simplesmente ficar encostada na minha bochecha.
   -- Desculpe-me. - disse ele. Logo após, se levantou e virou de costas para mim. Sua voz era sombria. - Está tarde, vá dormir.
...
   Mesmo meio-dormindo, eu conseguia sentir sua presença ao meu lado, sentado na beirada da cama. Me observava, eu podia sentir. Eu não conseguia abrir os olhos nem me mexer, mas meu subconsciente estava em alerta.
   -- Por favor me desculpa. - sua voz era baixa e embargada.
   Ele estava chorando. Passou a mão em meus cabelos de forma suave, tentando não me acordar. Não sabia que eu podia sentir e ouvir tudo ao meu redor.
   -- Não faço por mal. Gosto muito de você. - continuava a dizer, às vezes sussurrando tão baixo que eu não entendia. Às vezes a fala era cortada por um soluço.
   Sua mão tremula ao passar em meus cabelos. E, quando menos esperava, ele deu um beijo suave em minha bochecha. Seus lábios era macios e tremulos, o que mostrava que ele ainda chorava. O beijo durou quase um minuto, com seus lábios congelados na minha bochecha. E, quando acabou, ele sussurrou:
   -- Durma com os anjos. 

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